domingo, 9 de agosto de 2009

Uma escrava da liberdade





Para quem estava sentido falta de teatro por aqui (arte que eu gosto muito e fiz durante alguns anos), este post é para você.

No final de semana passado liguei para o Oi Futuro para saber se eles ainda estavam vendendo ingressos para o espetáculo "Viver Sem Tempos Mortos", um monólogo de Fernanda Montenegro. Quando me atenderam, a frase já estava pronta: "Os ingressos estão esgotados. Chegue aqui na próxima terça-feira às 9h da manhã para conseguir comprar". E foi o que eu fiz. Para minha surpresa, já havia uma fila considerável. Conversa vai, conversa vem e acabei descobrindo que a bilheteria só abria às 11h. Meu Deus, o que eu ia ficar fazendo durante quase duas horas? Acabei fazendo amizade, conversando sobre arte, teatro, universidades e, até, sobre moral, quando começou a ser questionado (e protestado!) a entrada tardia de acompanhantes no meio da fila. Idosos, jovens, mulheres aficcionadas pela obra de Simone de Beauvoir e intelectuais se uniam para ver Fernanda vivendo Simone.

Finalmente, por volta das 11h15, consegui meus ingressos: Sábado (8/08), às 19h30, na fila B, cadeiras 9 e 10. Não poderia sair mais feliz dali. Por apenas R$7,50 eu estaria cara-a-cara com Fernanda Montenegro, uma das maiores atrizes do Brasil. E, ontem, este dia finalmente chegou.



Não conhecia a obra da escritora, filósofa e existencialista Simone de Beauvoir. E fiquei maravilhada. No palco, apenas uma cadeira e Fernanda, plena e solitária. A atriz não se preocupou em se parecer fisicamente com Simone, usar adereços que ela usava ou copiar gestos típicos. Não há cenários, apenas uma cadeira preta no centro das rotundas e coxias. A atriz só se preocupa em mergulhar nas cartas de Simone para Jean-Paul Sartre e nos sentimentos daquela mulher. A peça começa quando ela se senta na cadeira, sob um foco de luz e inicia a viagem sobre a trajetória da escritora.

Conheça mais a obra de Simone de Beauvoir

O texto é belíssimo, delicado, que fala sobre peculiaridades da vida, de seu amor fiel e infiel por aquele "homenzinho" (como é chamado por amigos), que há tempos já não a desejava mais como mulher, e, sobretudo, sobre o seu grande lema: A liberdade. O resultado não poderia ser melhor: uma linha do tempo que percorre importantes acontecimentos da vida de Simone de Beauvoir.

A atriz se detém a gestos contidos, olhares cheios de nuances e pequenas alterações na voz. E o que para muitos pareceria monótono, a peça se torna uma bela obra de contemplação e envolvimento. Impossível não se deixar levar pelas emoções de Simone e desenhar na mente todos os passos que forma dados por ela. Cenários, esteriótipos e figurinos característicos despersariam toda esta relação de respiração única entre Fernanda e a plateia.



A cadeira que ela fica sentada durante todo o espetáculo nada mais é do que a que Simone se sentou ao lado da sepultura de Sartre. Quando o filósofo morreu, belissimamente a escritora deitou-se com ele, numa metáfora delicada de quem diz "me leve com você".

Ao final da apresentação, a atriz senta-se ao lado da escritora e feminista, como Simone, Rosiska Darcy para um bate-papo. Este debate torna-se fundamental para o esclarecimento de determinados pontos do texto e da vida da escritora. É fantástico.

Ambas relatam as experiências que tiveram com o projeto em periferias brasileiras. Elas deixaram claro um aspecto que, para mim, é muito certo, desde sempre: Não se pode preterir pessoas com menos intrução, achando que elas jamais irão entender. Fernanda e Rosiska deram depoimentos surpreendentes, provando que as emoções do texto atingiram domésticas, garis, pessoas humildes e as atingiu de uma forma, talvez, muito mais verdadeira e pura, livre de pré-conceitos. Sem conhecimento prévio, as pessoas diziam o que elas sentiram daquela mulher e de seus pensamentos. As perguntas não eram filosóficas e elaboradas e sim diretas. Rosiska relatou um depoimento que me chamou muito a atenção: uma moça, afirmou que Simone, que defendia a todo custo a liberdade, acabava se tornando uma escrava dela. E isso é belíssimo, uma interpretação riquíssima. A liberdade pode ter se tornado uma obsessão, de tanto que ela a buscava em todos os aspectos de sua vida. Um depoimento muito comovente e inteligente.

Debate com Fernanda Montenegro no Sesc Anchieta, em São Paulo:



Um outro momento interessantíssimo foi quando um homem na plateia se declarou "filho" de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, por tamanha admiração que tinha ao casal. A declaração deixou a atriz surpresa e emocionada.

Muita emoção para um dia só! Vale a pena assistir a força a interpretação de uma atriz, que acaba de completar 80 anos, e domina o palco e a plateia. Mas, cheguem cedo na terça-feira ou então esperem a temporada de setembro no Teatro do Fashion Mall.

3 comentários:

  1. Olha... Não sei nem o que dizer aqui nesse meu primeiro comentário no seu blog. Acho que vou agradecer!
    Obrigado por ter me proporcionado esse dia tão especial! Foi magnífico a sensação de estar naquela peça e viver aquela experiência! Poucas vezes aprendi tanto em um espaço tão curto de tempo. Foi realmente fantástico. E sem vc nada disso seria possível! Muito obrigado, mais uma vez.
    Esse blog é a sua cara! Seu texto é muito bom de ler! Uma leitura dinâmica ! A cada dia que passa gosto mais dos seus textos. Parabéns!
    Vou aproveitar enquanto seu blog não é famoso e vou me dar ao luxo de deixar o primeiro comentário ! hihihihihi
    Te amo! Admiro muito a sua dedicação e sou seu fã !
    Beijos!
    Rafa!

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  2. Já havia lido esse post, mas ia comentar somente quando assistisse a peça.
    Fico feliz de ver teatro por aqui =)
    Você falando dessa peça assim fiquei com mais vontade ainda de ver.
    Beijos

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  3. Tô com saudade de novidades por aqui. Adoro esse espaço e adoro a dona dele, assim como o texto maravilhoso que ela tem! =)

    beijos

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